segunda-feira, 14 de outubro de 2024

Brasil ultrapassa um milhão de homicídios após o Estatuto do Desarmamento

 Crimes letais com armas de fogo são 85% maiores do que antes da Lei e aumentaram 26 vezes mais que os praticados com outros meios.

Fabricio Rebelo

Em 2023 o Brasil completou duas décadas de vigência do chamado “Estatuto do Desarmamento”, aprovado ao final de 2003, sob a promessa de trazer um impacto positivo na escalada da criminalidade letal no país. Vinte anos depois, porém, os indicadores oficiais disponíveis revelam não haver motivos para comemorações, tendo em vista que o específico tipo de crime que a norma se propunha a combater foi, exatamente, o que mais cresceu após sua vigência. E muito.

As conclusões podem ser alcançadas a partir do Sistema de Informação de Mortalidade (SIM) do DATASUS, repositório oficial e centralizado do quantitativo de óbitos no Brasil, que acaba de incluir em seus registros os indicadores preliminares para o ano de 2023. De acordo com os dados, foram ao menos 42.413 mortes intencionais no ano passado, das quais 30.254 (71,33%) com emprego de arma de fogo. Com a inclusão, o Brasil passa a somar, de 2004 (primeiro ano de efetiva vigência do estatuto) até 2023, 1.034.629 homicídios.

Os dados são, obviamente, impactantes, mas é o seu detalhamento que revela os aspectos mais relevantes da barreira estatística rompida.

Com duas décadas de vigência da lei antiarmas, é possível se estabelecer uma janela analítica bastante sólida acerca de seus efeitos na variação de criminalidade no Brasil, notadamente pelo comparativo direto com o período que a antecedeu (os vinte anos anteriores), exatamente como se procede para aferir os resultados de qualquer marco temporal de interesse. E esse procedimento não deixa nenhuma dúvida sobre o estrondoso fracasso que a Lei nº 10.826/03 representou como mecanismo de segurança pública.

Nos vinte anos que antecederam o estatuto do desarmamento (1984 a 2003), o Brasil havia registrado 684.762 homicídios. Destes, 399.898 (58,4%) haviam sido praticados com emprego de arma de fogo, ao passo que 284.864 (41,6%) com outros meios. Já nas duas décadas posteriores, como visto, os homicídios ultrapassaram o total de um milhão, chegando ao citado número de 1.034.629, dos quais 740.507 (71,6%) com emprego de arma de fogo e 294.122 (28,4%) com outros meios.




A partir desses dados, algumas conclusões ficam bastante claras. A primeira é que, sob a lei que prometia reduzir o uso de armas de fogo em homicídios, estes se registraram num quantitativo 85,17% maior do que antes dela, saindo de 399.898 para 740.507. A segunda é que, no total de homicídios, as armas passaram a responder por um percentual também significativamente maior, saindo de 58,40% para 71,57% (um aumento de 22,56% no uso de armas nos homicídios após o estatuto do desarmamento).

Por fim, mas não menos expressivo, se pode observar que, enquanto os homicídios com arma de fogo cresceram significativamente após o estatuto do desarmamento – que, frise-se, permanece ininterruptamente em vigor desde 2003 -, aqueles praticados com outros meios cresceram muito menos. Afinal, de 1984 a 2003 estes homicídios somaram 284.864, ao passo que, de 2004 a 2023, foram 294.122, isto é, um acréscimo de apenas 3,25%.

Contrapondo-se as duas variações, tem-se diretamente que, em relação ao período anterior à sua vigência, os homicídios com arma de fogo cresceram 85,17% após o estatuto do desarmamento, e os cometidos com outros meios 3,25%. Em outros termos, os crimes em que empregadas as armas cujo uso a lei pretendia coibir aumentaram 26 (vinte e seis) vezes mais que os demais.


Talvez poucas leis sejam alvo de tamanha discussão no Brasil, e nenhuma outra até hoje foi submetida a expressa consulta popular e por ela rejeitada, como havido no referendo de 2005. Porém, independentemente das posições ideológicas a respeito da norma, se o argumento a se utilizar para analisar o estatuto do desarmamento for estritamente técnico, não há espaço para qualquer dúvida: sua ineficácia para a redução de homicídios é inquestionável.

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Fabricio Rebelo é juristapesquisador em segurança pública, jornalista e escritor.

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Como citar este texto (ABNT): REBELO, Fabricio. Brasil ultrapassa um milhão de homicídios após o Estatuto do Desarmamento. Disponível em: [https://www.cepedes.org/2024/10/brasil-ultrapassa-um-milhao-de.html]. Data de Publicação: 15/10/2024. Acesso em (inserir data).
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