segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

A cada 1% mais armas, há 0,04% MENOS homicídios dolosos

Indicadores oficiais desmontam principal falácia sobre a correlação entre armas e crimes, demonstrando a total leviandade de se resumir a segurança pública ao acesso às armas.

Fabricio Rebelo

Sempre que o debate sobre a circulação de armas é retomado no Brasil, o segmento desarmamentista verdadeiramente “requenta” seu rol de argumentos contra o acesso do cidadão aos meios efetivos de autodefesa, proclamando, como se dogmas fossem, as mais absurdas hipóteses para justificar sua posição, pouco (ou nada) importando que não resistam à mais básica revisão científica.

O episódio mais recente pôde ser conferido em mais uma das já incontáveis audiências públicas temáticas que o Congresso Nacional insiste em realizar, já há cerca de duas décadas, a pretexto de debater projetos de lei que versam sobre a regulamentação das armas de fogo, como se fosse um tema novo ou sobre o qual não se saiba a inequívoca opinião do povo (veja-se o resultado do referendo de 2005). Dessa vez, o propósito declarado era a discussão do PL 3723/19, uma sofrível proposta aprovada pela Câmara dos Deputados e que se encontra no Senado, posta em mais um inócuo debate numa audiência realizada no último dia 14/12/2021.

Na ocasião, em meio a breves referências efetivas ao texto da proposta, que por muitos momentos pareceu ser algo totalmente secundário, lá se viu a repetição de todos os chavões há anos reiterados por ONGs antiarmas, aquelas nas quais são depositados milhões de dólares por instituições internacionais. E, dentre tais chavões, mais uma vez o destaque para a hipótese (e não há como se a tratar como tese) de que “a cada 1% a mais no número de armas, há 2% a mais de homicídios”.

O argumento vem sendo sistematicamente refutado pela confrontação com os indicadores oficiais, dos quais não se pode colher um único intervalo sequer que confirme a correlação sugerida. Ainda assim, numa postura que parece não nutrir qualquer apreço pela realidade, basta haver qualquer ínfima oportunidade e ele é reiterado, como se as contestações empíricas que o descontroem não o atingissem, quase como algo erigido a – para usar uma expressão em voga – uma das incontáveis realidades de um “multiverso”, somente onde a variação proporcional em que se sustenta pode, de algum modo, existir.

Talvez o apelo a uma correlação percentual entre as variáveis seja, de fato, impactante para aqueles menos familiarizados com o tema e, por isso, renda mais repercussão midiática. Porém, sendo esse o pressuposto, que se extraia essa correlação a partir daquilo que é tangível a qualquer leitor ou ouvinte, isto é, que se tomem os indicadores oficiais de cada uma das métricas. E é exatamente aí que a conta fica muito interessante.

De acordo com recente levantamento divulgado pela Secretaria Especial de Comunicação Social do governo federal (SECOM), com lastro em dados disponibilizados pelo Ministério da Justiça, o número de armas novas postas em circulação no país vem crescendo acentuadamente desde 2018. Foram 51.057 novos registros naquele ano; 94.064 em 2019; 177.782 em 2020 e, em 2021, até o dia 13/12, já se tinha 188.805 novas armas em circulação. São apenas os novos registros a cada ano, e não o quantitativo acumulado, como inadvertidamente se poderia pensar.

Arte Publicada pela SECOM

Por outro lado, em relação aos homicídios dolosos, os dados do Ministério da Justiça – que diferem um pouco daqueles consolidados no DataSUS – indicam uma considerável redução no mesmo período. Foram, 48.965 em 2018; 39.627 em 2019; 43.879 em 2020 e 23.204 entre janeiro e julho de 2021. A variação, portanto, já se apresenta nitidamente inversa.

Postagem da SECOM no Twitter

A partir de tais indicadores, e tomando-se por base, por estrito apreço ao rigor estatístico na confrontação de variáveis, apenas os anos já consolidados para ambas, isto é, de 2018 a 2020, é claramente possível afirmar que, enquanto se vendeu 248,4% mais armas (51.027 a 177.782), houve 10,2% menos homicídios (48.965 a 43.978).

Caso se adotasse a mesma correlação espúria defendida pelo discurso desarmamentista, isto é, a partir de um recorte temporal favorável se calcular a razão entre as novas armas vendidas e a variação dos assassinatosse chegaria à “conclusão irrefutável” de que “a cada 1% mais armas vendidas, há 0,04% menos homicídios”, exatamente como aponta o obviamente provocativo título deste ensaio. Se estendido o raciocínio, inclusive, também concluiríamos que a solução infalível para acabar definitivamente com os homicídios é vender (muito) mais armas.

À evidência, conclusões dessa natureza são inválidas. Não é minimamente possível – ao menos não com seriedade – reduzir a explicação sobre as variações de homicídios ao exclusivo fator da circulação legal de armas, muito menos as colocar como diretamente impactantes nessas oscilações. Isso, aliás, pode perfeitamente ser tomado como uma das maiores expressões de estupidez científica, pois é de elementar conhecimento que os fatores determinantes dessas variações são diversos, atrelados, sobretudo, à eficácia do sistema repressivo estatal quanto à prática de crimes, algo muito distante das armas destinadas à autodefesa, justamente quando todo esse aparato já falhou.

Ainda assim, estabelecer claramente essas correlações absurdas serve perfeitamente para evidenciar, mais uma vez, o total descompromisso com a técnica, a ciência ou sequer a realidade com que se constrói a defesa desarmamentista no Brasil. E isso precisa ficar bem claro a cada discussão, para que se anule essa defesa já a partir de suas fantasiosas premissas.


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Fabricio Rebelo é juristapesquisador em segurança pública, jornalista e escritor.

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Como citar este texto (ABNT): REBELO, Fabricio. A cada 1% mais armas, há 0,04% MENOS homicídios dolosos. Disponível em: [https://www.cepedes.org/2022/01/a-cada-1-mais-armas-ha-004-menos.html]. Data de Publicação: 03/01/2022. Acesso em (inserir data).
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