O que poderia ser diferente nos ataques terroristas de Paris se os franceses tivessem o direito de usar armas para defesa pessoal?
Uma das cenas mais repetidas na cobertura inicial dos ataques terroristas da sexta-feira 13 em Paris foi a dos
torcedores franceses saindo do Stade
de France, após o jogo contra
a Alemanha, cantando a Marselhesa, o hino nacional - que logo se tornou símbolo da resistência ao terror. No trecho, transmitido ao
mundo por diversos canais de TV, diziam "Aux armes, citoyens! Formez
vos bataillons" - Às armas, cidadãos! Formai vossos batalhões. Uma demonstração patriótica, mas
que atualmente não passa de alusão figurativa. Os batalhões do povo francês hoje
estariam desarmados.
Nos últimos anos, sempre que um ataque em massa ocorre nos Estados Unidos, nos acostumamos a ver, quase instantaneamente, discussões quanto à legislação norte-americana sobre armas de fogo. Os democratas de lá e os socialistas daqui, invariavelmente, acusam as leis permissivas pelas mortes, sendo confrontados pelos conservadores (aqui, liberais), que tentam fazer enxergar que os atos só foram possíveis porque praticados nas chamadas gun-free zones (áreas sem armas), onde ninguém pode reagir.
Nos últimos anos, sempre que um ataque em massa ocorre nos Estados Unidos, nos acostumamos a ver, quase instantaneamente, discussões quanto à legislação norte-americana sobre armas de fogo. Os democratas de lá e os socialistas daqui, invariavelmente, acusam as leis permissivas pelas mortes, sendo confrontados pelos conservadores (aqui, liberais), que tentam fazer enxergar que os atos só foram possíveis porque praticados nas chamadas gun-free zones (áreas sem armas), onde ninguém pode reagir.
Na França, essa discussão é descabida. O
país é todo uma grande gun-free
zone, em razão de leis fortemente restritivas à posse e ao porte de armas
para uso pessoal. Até mesmo boa parte das guarnições policiais atua sem armas.
Nada de revolução desarmamentista, como as tentadas em outros países, mas uma
questão cultural, que legalmente remonta ao ano de 1939. Há mais de 75 anos,
portanto.
Com uma regulação sobre armas já tão
antiga, instituída sob uma realidade de organização social absolutamente
distinta da atual, a evolução criminal na França não pode ser genuinamente relacionada à
sua política legal desarmamentista. Porém, isso não quer dizer que não há
relação entre a legislação sobre armas e o recente terrorismo em Paris.
Nos ataques de janeiro, em que a revista Charlie Hebdo foi o alvo, vimos,
perplexos, a investida de terroristas contra vítimas completamente indefesas,
incluindo policiais covardemente executados. Foi possível até filmar os
ataques, mas não reagir a eles. Agora, o roteiro se repete. Em restaurantes ou
em uma casa de espetáculos, os depoimentos das testemunhas evidenciam que os
terroristas agiram calmamente. Abriram fogo despreocupados, contra vítimas às
quais restou apenas a desesperada tentativa de fuga. Uma carnificina, como bem
definiram as autoridades policiais francesas.
Alguns clamaram por socorro através do
celular, relatando o ataque e implorando para que a polícia chegasse logo. Mas
ela não tem como chegar imediatamente, e qualquer coisa diferente de
imediatamente é tarde demais para as primeiras vítimas.
Desde os ataques de janeiro, a França
estava em elevado alerta contra o terrorismo. Ainda assim, as forças de
segurança do país não conseguiram evitar os atos de agora. Triste comprovação
de que é preciso ter outros mecanismos de defesa da população, além das forças
oficiais. Em Israel, por exemplo, esse elemento adicional foi identificado nos
cidadãos armados, e o governo os estimula a estarem assim.
Seria leviano bradar a certeza de que,
caso os franceses pudessem estar armados, os ataques não ocorreriam ou seriam de
menor proporção, mas é inevitável refletir sobre o quanto o cenário seria
diferente. Se, nos Estados Unidos, a pergunta que sucede ataques em massa
é sobre o que aconteceria se as armas fossem proibidas, na França a ótica é
oposta: o que aconteceria se fossem permitidas?