sexta-feira, 24 de abril de 2015

Insegurança: desprezando as evidências.

A preocupante insistência em políticas de segurança pública comprovadamente fracassadas, em detrimento do aprendizado com os próprios erros.
Na área médica, há uma estratégia de aprendizado denominada “Medicina Baseada em Evidências”, que tem por princípio a utilização de metodologias científicas para a definição de tratamentos clínicos. Basicamente, num resumo bastante simplista, a ideia central por trás dessa técnica é utilizar no tratamento de pacientes aquilo que, comprovadamente, já surtiu efeito positivo em casos anteriormente registrados. É um nítido privilégio das experiências positivas, cuja aplicação poderia se estender a diversos outros campos da sociedade. Contudo, há segmentos em que parece imperar exatamente o oposto.

Se a medicina tem, ao menos em uma de suas vertentes, a diretriz da comprovação de eficácia como requisito para a utilização de um tratamento, a segurança pública insiste em manter uma perigosa tendência de experimentos ideológicos, desprezando resultados práticos e pondo os cidadãos como cobaias. E em poucas áreas de experimentação as cobaias morrem tanto.

Vivemos uma realidade criminal gravíssima. Quase 60 mil pessoas são assassinadas anualmente no Brasil, número que cresce já há alguns anos acima do incremento demográfico, justamente o que nos conduziu a uma taxa de homicídios de espantosos 29 casos a cada 100 mil pessoas – e isso apenas em se considerando os números oficiais. Ainda assim, ao invés de ações efetivas, estamos há décadas insistindo em tudo que já não funcionou e nos conduziu a este lamentável quadro atual.

A população foi drasticamente desarmada e os homicídios aumentaram, especialmente os com arma de fogo, mas a principal – senão única – diretriz nacional de segurança pública continua sendo o desarmamento. Os resultados menos negativos no registro de crimes vêm do estado em que a polícia mais prende bandidos, mas o discurso que impera é o de que prisões não servem para nada e por isso devem ser substituídas por penas alternativas. Menores de idade são apreendidos diuturnamente pela prática de crimes violentos, nos quais reincidem compulsivamente sob o manto da inimputabilidade, mas até a Presidente da República entoa o discurso contrário à redução da maioridade penal. Menos de 10% dos homicídios praticados no país são esclarecidos, mas insiste-se em que sua maior parte decorre de crimes passionais – exatamente os que são de mais fácil resolução. Traficantes desfilam com potentes fuzis e metralhadoras de uso proibido, os quase 16 mil quilômetros de fronteira seca são um convite ao tráfico de armas, mas afirma-se que o comércio legal delas – já quase inexistente e restrito a calibres modestíssimos – é que abastece a bandidagem.

É um quadro que beira o surrealismo, enfatizado quando nele se vê um desfile de teses mirabolantes para tentar explicar o que estamos vivendo. Em todas, mais ideologia e discursos politicamente corretos, mas nenhuma referência a tudo que já se fez e resultou justamente no oposto do que se pretendia. Está tudo errado, mas as ações são tomadas como se isso não representasse absolutamente nada, repetindo erros como quem assiste várias vezes a um mesmo filme triste, na esperança de que seu final mude. Só que ele obviamente não muda.

Definitivamente, no campo da segurança pública, o país não privilegia a lógica ou os resultados inequívocos de suas experiências anteriores. Parece, ao contrário, nutrir verdadeiro desprezo por eles.

(Fabricio Rebelo, pesquisador em segurança pública, bacharel em Direito, assessor jurídico)


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