A inexplicável insistência de alguns setores na manutenção do estatuto do desarmamento, mesmo diante de resultados incontestavelmente negativos em sua aplicação.
Nem bem começaram os trabalhos da Comissão Especial encarregada de analisar, na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei nº 3.722/12, que substitui o “estatuto do desarmamento”, os defensores da legislação atual já disparam sua artilharia contra qualquer alteração na lei. O discurso não é novo, lastreado na tese de que armas não oferecem segurança e na rotulação dos deputados favoráveis à proposta como a “bancada da bala”, supostamente financiada pela indústria armamentista. O que não se vê nessa articulação, contudo, é a abordagem técnica do assunto.
Enquanto os defensores do desarmamento se prendem a nítidos embates ideológicos, numa fomentada guerra de rótulos midiáticos entre os “da bala” e os “da paz”, astutamente se esquivam do confronto estatístico, especialmente no quadro criminal brasileiro antes e depois do estatuto que tanto defendem. E isso tem indiscutível razão estratégica.
Desde que apresentado o PL 3.722/12, obra do deputado catarinense Rogério Peninha Mendonça (PMDB), as discussões sobre a segurança pública no país vêm se tornando mais abertas e com maior participação. Com isso, a defesa técnica da legislação atual se tornou cada vez mais inviável, eis que não há um único indicativo que permita lhe atribuir sucesso, e isso mesmo em se considerando apenas os dados oficiais.
O fato que a guerra ideológica busca camuflar é que, depois do estatuto do desarmamento, os índices de criminalidade no país pioraram. Os números do Mapa da Violência, que recebem a chancela do Ministério da Justiça, são claros: nos nove anos já computados após a vigência do estatuto (2004 a 2012), a taxa média de homicídios no Brasil foi de 26,80 a cada 100 mil habitantes, acima dos 26,44 por 100 mil dos nove anos anteriores a ele (1995 a 2003). Registre-se que a análise é da taxa, ou seja, a proporção de mortes intencionais dentro do universo populacional, computada sua evolução.
Se apenas esse dado já joga por terra qualquer cunho positivo do estatuto do desarmamento, outro o sepulta de vez. Pelo mesmo Mapa da Violência, que traz o indicador dos homicídios com armas de fogo até o ano de 2010, elas foram usadas, após a lei atual, em 245.496 dos 346.611 casos de homicídio registrados no período (2004 a 2010), ou seja, depois do estatuto as armas de fogo estiveram presentes em 70,83% dos homicídios. Antes dele, paradoxalmente, o número era significativamente menor, eis que de 1997 a 2003 (mesmo período de sete anos) as armas de fogo foram usadas em 211.562 dos 319.412 homicídios registrados, ou 66,23% do total.
A defesa da legislação atual, desse modo, nitidamente ignora os indicadores objetivos pelos quais se alcança a compreensão do quadro de violência no país. Defender o estatuto do desarmamento é defender uma lei cuja vigência corresponde a um aumento na taxa média de homicídios e a um ainda mais expressivo aumento no uso de armas de fogo para cometê-los. Impossível, então, não indagar: o que justifica defender o indefensável?
* Fabricio Rebelo é pesquisador em segurança pública e bacharel em direito.
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