A completa desfiguração do projeto de lei 3722/12, que revoga o Estatuto do Desarmamento, pelo substitutivo apresentado pelo relator Cláudio Cajado (DEM/BA).
Há uma máxima nos bastidores da política que diz que apenas é possível conhecer o início de um projeto de lei, mas não seu final, pois tudo pode ser mudado. Nada mais correto. Emendas, destaques, substitutivos, vetos... são inúmeros os instrumentos para que um texto seja alterado durante a tramitação. Ainda assim, não é comum ver uma matéria ser completamente modificada e receber um tratamento em sentido diametralmente oposto àquilo que se idealizou. Foi o que aconteceu com o PL 3722/12.
Nascido com a premissa de reformular a legislação sobre armas de fogo no Brasil, o PL 3722/12 contém uma sistemática fluida, pautada em critérios de controle objetivos e que visam adequar a lei ao anseio da população, exposto com o referendo de 2005. A leitura da proposta demonstra que seu autor, o deputado Rogério Peninha Mendonça (PMDB/SC), se esmerou na criação de disposições harmônicas e que se complementam, fazendo a matéria ser facilmente compreendida e, com isso, retirando questionamentos em sua aplicação. Não há dúvida de que essa característica é uma das principais responsáveis por fazer do projeto um dos recordistas de aprovação popular e de engajamento da sociedade civil organizada.
No último dia 10, entretanto, tudo aquilo idealizado pelo autor do PL foi jogado por terra e lavado com um balde de água fria em todos os seus apoiadores. Numa das sessões mais acirradas da atual legislatura, o relator da matéria, o deputado Cláudio Cajado (DEM/BA), se manifestou pela aprovação do texto, porém com um substitutivo. Seria mais honesto ter votado pela rejeição, pois o que ele apresenta como proposta não pode ser sequer minimamente reconhecido como uma aprovação ao intento original.
O texto sugerido pela relatoria se perde em desnecessárias e contraditórias conceituações, fixa um sistema de autorizações e licenças para o porte de arma incompreensível e chega a retroceder no tratamento de matérias já pacificadas pelo próprio estatuto do desarmamento em vigor. Não bastasse isso, estabelece restrições que inviabilizam a prática esportiva do tiro no Brasil - ao proibir a recarga de munição, a ela absolutamente essencial - e cria dificuldades para o porte de armas de policiais fora de serviço. É um substitutivo muito mais voltado a fortalecer a política de desarmamento do que a revertê-la.
Não é possível, sequer, estabelecer uma conexão entre o substitutivo e o parecer do próprio relator, no qual são destacadas a inequívoca rejeição da sociedade ao desarmamento e a ineficiência da lei atual. Afinal, sob a premissa de que esta não reflete as necessidades sociais, o que o relator propõe é reforçá-la.
Se o texto originalmente proposto é recordista de aprovação, o substitutivo deverá ser campeão de rejeição. Não há um só setor que com ele possa se satisfazer, tamanha a confusão estabelecida, não se sabe se por desconhecimento ou vaidosa intenção de, como diz o adágio popular, deixar uma marca na história. Neste caso, a prevalecer a última hipótese, ter-se-á um claro exemplo de como transformar uma ótima ideia e um esmerado trabalho em lixo, somente ao que podem se destinar as folhas de papel em que for impressa a mirabolante ideia do relator. Seu substitutivo é, em última análise, um desastre - e ainda bem que papel é material reciclável.
Fabricio Rebelo é pesquisador em segurança pública, bacharel em direito e diretor da ONG Movimento Viva Brasil. Foi um dos palestrantes na audiência pública realizada sobre o PL 3722/12.