A Organização das Nações
Unidas publicou este ano (2014) uma nova edição do "Estudo Global de
Homicídios" (Global Study on
Homicide), levantamento produzido pelo Escritório sobre Drogas e Crimes da
entidade, contendo as taxas de homicídio em diversos países espalhados pelos
cinco continentes. Embora os resultados sejam semelhantes àqueles já divulgados
na edição de 2011 do mesmo estudo - pouquíssimo repercutido no Brasil -, os
dados agora parecem ter acendido uma luz de alerta nas autoridades de
segurança no país, certamente diante do fato de estarem aqui nada menos que
onze das trinta cidades mais violentas do mundo.
O estudo é bastante
completo e toma por base dados de homicídios ocorridos no ano de 2012. Em sua
metodologia, é contemplada, além do critério objetivo das quantidades de
vítimas, a qualificação dos óbitos. É justamente na compreensão dessa divisão
qualitativa que a realidade brasileira parece insistir em não ser entendida
pelos responsáveis sobre a definição das políticas de segurança pública.
Tão logo o relatório foi
divulgado, eclodiram as teses voltadas à explicação do péssimo resultado
brasileiro, com indisfarçável - e repetitiva - tendência à abordagem da
violência como questão social. O fato demonstrado pela ONU, e contra o qual
parece haver grande resistência, é outro: a endêmica violência nacional tem no
crime a sua raiz.
Conforme aponta o
relatório divulgado este ano, há três causas fundamentais determinantes para os
homicídios, sendo classificadas em sócio-políticas, interpessoais e
relacionadas a outros crimes (socio-political, interpersonal and related to
other criminals activities). No primeiro grupo, são enquadrados os
homicídios causados por conflitos civis, aí incluídas as disputas étnicas, guerrilhas
políticas e, até mesmo, os atos terroristas que delas decorrem, principalmente
em países recém-saídos de conflitos bélicos, internos ou regionais. Sua maior
relevância, atualmente, centra-se em países do Leste Europeu, da África e do Oriente
Médio.
O segundo grupo de
homicídios classificado pela ONU se refere aos crimes decorrentes de relações
interpessoais, ou seja, os por aqui chamados crimes passionais. Sua ocorrência não apresenta concentração
regional específica e sua relevância é maior ou menor de acordo com as taxas
dos homicídios por outras causas. Na Índia, por exemplo, os crimes passionais
respondem por 48% do total de homicídios; na Suécia, chegam a 54%, ao passo em
que, na Jamaica, são apenas 5%, sem que, em qualquer dos casos, isso implique
maiores ou menores quantidades (e não taxas) globais de mortes.
Não são, entretanto,
esses dois primeiros grupos que apresentam relevância na realidade brasileira.
Em todo o continente americano, apenas o primeiro grupo - conflitos políticos –
tem alguma significação, sendo todo o restante dos homicídios atribuído à
terceira classe de motivação homicida: os ligados a outros crimes. Este fato,
por mais que se o tente refutar, torna evidente a preponderância destes últimos
no país, afinal, num passado recente, não há por aqui qualquer histórico de
conflitos motivados por questões políticas.
Sem guerras civis, atos
terroristas, ou conflitos políticos, tampouco com qualquer significação
relevante para as mortes de cunho passional, é imprescindível que seja
reconhecida a motivação criminal para a espantosa taxa de homicídios que nos
assola, a fim de que, a partir de então, possa haver um efetivo combate voltado
à sua redução.
Ainda de acordo com a
ONU, a preocupante realidade brasileira não se instalou agora, é uma
característica que dura já quase três décadas, apenas com variações entre os
estados do país. Nesse período, muito se fez para fugir do reconhecimento ao
óbvio, com planos mirabolantes de combate aos homicídios através de
investimentos sociais e até do desarmamento do cidadão. Os dados mostram o
fracasso dessas iniciativas e dão escancaradamente o motivo: elas não combatem a
verdadeira causa dos homicídios brasileiros.
A questão, agora, é
saber se e quando o óbvio será finalmente compreendido por nossas autoridades.
Estamos ao menos três décadas atrasados no combate aos motivos determinantes da
nossa alta taxa de homicídios, período no qual mais de um milhão de vidas foram
ceifadas violentamente. Quantas mais serão?
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Fabricio Rebelo é bacharel em direito e pesquisador em segurança pública na ONG Movimento
Viva Brasil.