Um dos parâmetros mais utilizados para a
compreensão da violência homicida no Brasil, o “Mapa da Violência” apresenta,
em sua mais recente edição (2013), dados que, mesmo com indisfarçável
contaminação da ideologia desarmamentista, conduzem à conclusão que mais se
alcança entre os estudiosos em segurança pública: as políticas de desarmamento
não reduziram homicídios no país.
De acordo com o Mapa, publicado pelo
Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos, foram mortas no Brasil, no ano de
2010, 38.892 (trinta e oito mil, oitocentos e noventa e duas) pessoas com uso
de arma de fogo, quantidade que supera a registrada no ano 2000 em 3.907 (três
mil, novecentos e sete) ocorrências - foram registradas 34.958 mortes naquele
ano. Percentualmente, na década pesquisada, houve um aumento nas mortes por arma
de fogo da ordem de 11,25%, computando-se acidentes, suicídios, homicídios e
outras causas indeterminadas[1].
No mesmo período, de acordo com os dados
disponíveis junto ao IBGE[2],
a população brasileira sofreu um incremento de 12,33%, passando de 169.799.170
para 190.732.694 de habitantes. Portanto, para fins estatísticos e considerada
a margem de variação inerente a qualquer pesquisa com parâmetros populacionais,
os números se equivalem, não se podendo atribuir qualquer significação
relevante à irrisória diferença de 1,08% entre o crescimento populacional e o
de mortes por armas de fogo. O quadro pesquisado, assim, apresentou estagnação
estatística.
A situação muda um pouco quando são
isolados apenas os casos de homicídio. De acordo com o estudo, foram
assassinadas com arma de fogo no país, no ano 2000, 30.865 pessoas, número que,
dez anos depois, aumentou para 36.792[3],
numa variação de 19,2%, ou seja, já expressivamente acima do crescimento
demográfico.
Já numa primeira análise, portanto, os
números comprovam que, entre os anos de 2000 e 2010, os índices gerais de morte
por arma de fogo no Brasil praticamente variaram na mesma proporção de seu
crescimento demográfico, com relevante aumento na taxa de homicídios com esse
meio. Com isso, claramente já se pode observar que as amplamente difundidas
políticas de desarmamento, implementadas no país no mesmo período, foram
inteiramente ineficazes para a contenção de tal modalidade de crime.
A conclusão se reforça sobejamente
quando são analisados os efeitos da política desarmamentista na circulação de
armas de fogo no Brasil. No exato mesmo período de 2000 a 2010, o comércio de
armas de fogo no país, em decorrência das legislações restritivas coroadas pelo
atual estatuto do desarmamento, sofreu uma drástica redução, da ordem de
espantosos 90% (noventa por cento).
Havia no país, no ano 2000, 2,4 mil
estabelecimentos registrados na Polícia Federal autorizados ao comércio de
armas e munições. Já em 2008, restavam apenas 280 (duzentos e oitenta). Em
2010, de acordo com diversas pesquisas promovidas por órgãos do próprio
governo, organizações não governamentais e centros de pesquisa acadêmica, o
comércio especializado de armas e munições se resumia a 10% (dez por cento) do
que se verificava uma década antes[4].
Paralelamente a isso, campanhas de
desarmamento, especialmente a fortemente realizada entre os anos de 2004 e 2005,
precedendo o referendo deste último ano, retiraram de circulação cerca de meio
milhão de armas entre a população civil brasileira[5],
número que hoje já alcança, de acordo com dados oficiais do Ministério da
Justiça, 618.673 (seiscentas e dezoito mil, seiscentas e setenta e três)[6].
Considerando que, de acordo com os dados
do Sistema Nacional de Armas – SINARM, há hoje no Brasil pouco mais de 1,6 milhões[7]
de armas com registro ativo, o total de armas recolhidas representa mais de
27,5% do universo somatório daquelas registradas e das já recolhidas. Em outros
termos, comparando-se o total das armas hoje registradas e o daquelas que já
foram entregues em campanhas de desarmamento, o arsenal legalizado brasileiro
já foi reduzido em mais de 1/4 (um quarto) de seu total.
Numa realidade em que 90% do comércio de
armas foi extinto no país e mais de seiscentas mil delas já foram retiradas de
circulação, não resta qualquer dúvida de que, caso as armas legalmente
possuídas pela sociedade brasileira tivessem vinculação com o número de mortes,
os respectivos índices teriam sofrido igualmente significativa variação para
menor.
Entretanto, consoante aqui demonstrado,
mesmo com tamanha perseguição às armas de fogo, as mortes gerais por seu uso no
país cresceram na exata mesma proporção do crescimento populacional, enquanto
os homicídios aumentaram numa taxa acima deste. Em 2010, com 90% de redução no
comércio de armas e mais de meio milhão delas já recolhidas, a taxa de mortes com
seu uso no país o foi a mesma de uma década antes, com uma variação
estatisticamente desprezível de apenas 1% (20,6/100mil em 2000 contra
20,4/100mil em 2010), ao passo em que a taxa de homicídios aumentou mais de 6% (18,2/100mil contra 19,3/100mil)[8].
Os números, mais uma vez, comprovam que
inexiste relação direta entre a quantidade de armas em circulação entre a
população civil e as taxas de mortes por seu uso. A drástica redução no acesso
do cidadão brasileiro às armas de fogo não representou nenhuma contenção nas
mortes em que elas são empregadas e não impediu o considerável crescimento dos
homicídios no país.
A explicação é simples: leis restritivas
à posse e ao porte de armas apenas desarmam aqueles que cumprem as leis. Porém,
no Brasil ou em qualquer outro lugar, como já reconhece a própria ONU, na quase
totalidade das vezes em que um homicídio é cometido com uma arma de fogo, quem
puxa o gatilho é um criminoso habitual[9].
* Fabricio Rebelo | bacharel em direito,
pesquisador em segurança pública e coordenador regional (NE) da ONG Movimento
Viva Brasil.
[1] WAISELFISZ, Julio Jacobo -
Mapa da Violência 2013 - Mortes Matadas por Armas de Fogo : CEBELA, 2013, p. 11.
[2] Censo 2010 – IBGE.
Disponível em http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1766
[3] Ob. Cit., p. 11
[4] Vide: Venda legal de armas já
caiu 90% em dez anos - http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI5077633-EI6594,00-Venda+legal+de+armas+ja+caiu+em+dez+anos.html
[5] http://www.brasil.gov.br/noticias/arquivos/2011/12/12/armas-de-fogo-mataram-mais-de-36-mil-em-2010-segundo-o-ministerio-da-justica
[6] Vide :
http://blog.justica.gov.br/inicio/primeiro-mes-do-ano-registra-aumento-de-51-de-armas-entregues/
[7] 1.624.832 de registros
ativos em 2012, segundo o SINARM.
[8] WAISELFISZ, Julio Jacobo - Mapa da Violência 2013 -
Mortes Matadas por Armas de Fogo : CEBELA,
2013, p. 13.
[9] 2011 GLOBAL STUDY
ON HOMICIDE – United Nations Office on Drug and Crime, p.10.